Filosofia da Ciência

Filosofia da Ciência e o Espiritismo

Autor: Eric Pacheco

1. Primeira corrente: o positivismo lógico

No positivismo lógico, as observações eram consideradas completamente puras. O raciocínio adotado era indutivo. Por exemplo: se observamos 50 cisnes brancos, concluímos que todos os cisnes são brancos. Raciocínio diferente da lógica que é dedutiva. 

2. Karl Popper e o falsificacionismo

Popper rejeita a ideia de observações puras, argumentando que elas partem sempre de teorias prévias. Não é possível construir uma teoria apenas com base em observações particulares, mas é possível refutar uma teoria geral com uma única observação singular. Por exemplo: para refutar a ideia de que todos os cisnes são brancos, basta encontrar um cisne preto — ou de qualquer outra cor.

3. A perspectiva de Kardec

“Instruí-vos primeiramente pela teoria, lede e meditai as obras que tratam dessa ciência; nelas aprendereis os princípios, encontrareis a descrição de todos os fenômenos, compreendereis a possibilidade deles pela explicação que elas vos darão, e, pela narrativa de grande número de fatos espontâneos de que pudestes ser testemunha sem os compreender, mas que vos voltarão à memória, vós vos fortificareis contra todas as dificuldades que possam surgir e formareis, desse modo, uma primeira convicção moral.”
O que é o Espiritismo? — Capítulo I — Pequena conferência espírita.

Kardec ressalta a importância da base teórica antes da observação direta dos fenômenos, mostrando uma visão de vanguarda em relação à filosofia da ciência.

4. A tese Duhem–Quine

Formulada em homenagem a Pierre Duhem e Willard Van Orman Quine, essa tese afirma que não é possível testar uma teoria científica de forma isolada. Isso porque um experimento, por si só, não determina onde está o erro, já que toda teoria envolve um conjunto interligado de hipóteses e pressupostos. Assim, o falsificacionismo absoluto não se sustenta de forma plena.

5. Contribuições posteriores: Lakatos, Kuhn e Feyerabend

  • Feyerabend introduziu o anarquismo metodológico, negando a existência de um método científico universal e defendendo o relativismo. Essa abordagem, porém, é incompatível com o Espiritismo, que não se coaduna com um relativismo que nega a possibilidade de conhecimento objetivo.

  • Lakatos propôs a ideia de "programas de pesquisa": cada programa possui um núcleo firme (as ideias centrais) e um cinturão protetor de hipóteses auxiliares. A ciência, para ele, progride por meio de programas progressivos ou degenerativos. Vemos isso em Kardec, que fez revisões em pontos secundários ao longo de sua obra, mas manteve firme o núcleo doutrinário.

“Enquanto o Espiritismo não era mais que uma opinião filosófica, não podia haver entre os adeptos senão a simpatia natural produzida pela comunhão das ideias, mas nenhum laço sério podia existir, por falta de um programa claramente definido. Tal é, evidentemente, a principal causa da pouca coesão e estabilidade dos grupos e sociedades que se formaram.”
Revista Espírita — Dezembro de 1868 — "Constituição transitória do Espiritismo".

  • Thomas Kuhn desenvolveu a ideia de que a ciência evolui por fases: uma fase pré-paradigmática, seguida pela consolidação de um paradigma. Os cientistas então resolvem “quebra-cabeças” dentro desse paradigma, até que ocorre uma revolução científica, gerando uma mudança de paradigma.
    Antes de Kardec, o Espiritismo estava numa fase pré-paradigmática, com experimentações desorganizadas como as mesas girantes. Kardec introduziu o paradigma doutrinário com base no ensino dos Espíritos — não em teorias humanas. A doutrina espírita é fruto de um raciocínio abdutivo:

Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente.
Essa causa não está no médium ou em pessoas encarnadas, pois as informações transmitidas excedem a capacidade humana comum. Logo, a causa deve ser uma inteligência superior: os Espíritos.

O Livro dos Médiuns — Primeira Parte — Noções Preliminares — Capítulo IV: Dos Sistemas

6. A questão do método

Hoje, a filosofia da ciência reconhece a inexistência de um método universal. Cada ciência deve adotar o método apropriado ao seu objeto de estudo.
Kardec já havia afirmado isso na Introdução de O Livro dos Espíritos, explicando que os Espíritos não podem ser testados como se testa objetos da física ou da química. Espíritos têm vontade própria. O fenômeno deve ser aguardado, como na zoologia, onde o pesquisador observa sem forçar.

7. Realismo, antirrealismo e instrumentalismo

Essas posições tentam responder: as teorias descrevem a realidade?

  • Realismo: As teorias descrevem o mundo real. Entidades como fótons ou dinossauros são reais, mesmo se não diretamente observáveis.

  • Antirrealismo: As teorias são apenas ferramentas úteis para prever fenômenos. Apenas o que é observável diretamente (como uma bola de bilhar) é considerado real.

8. Teorias fenomenológicas vs. construtivas

  • Fenomenológicas: Explicam relações observáveis (ex.: teoria da seleção natural).

  • Construtivas: Apelam a entidades não observáveis diretamente (ex.: teoria quântica de campos).

No Espiritismo, a manifestação dos Espíritos pode ser observada diretamente — por aparições ou efeitos físicos — ao contrário de muitas teorias físicas que dependem de instrumentos complexos e interpretações auxiliares. Assim, é epistemologicamente mais confiável observar diretamente um Espírito do que assumir a existência de partículas subatômicas com base em modelos indiretos.

Kardec reforça que o Espiritismo não é da alçada das ciências materiais, pois trata de seres inteligentes e livres, o que exige uma abordagem diferenciada.

9. A parapsicologia e o Espiritismo

Considero a parapsicologia uma pseudociência. Ela não possui um paradigma estável e depende de evidências estatísticas frágeis, envoltas em múltiplos pressupostos. A psicografia espírita, por outro lado, apresenta provas documentais e consistentes. A ciência espírita foi esquecida após Kardec.

10. Mudanças doutrinárias feitas por Kardec depois da segunda edição de O Livro dos Espíritos (em pontos secundários)

Exemplos de mudanças que não afetaram o núcleo da doutrina:

  • Revista Espírita — Dezembro de 1863 — “Um caso de possessão - Senhorita Júlia”

  • Revista Espírita — Outubro de 1865 — “Novos estudos sobre espelhos mágicos ou psíquicos - O vidente da floresta de Zimmerwald”

11. Leituras recomendadas

  • Silvio Chibeni (excelente referência em filosofia da ciência e Espiritismo)

  • O que é Ciência, afinal? — Alan F. Chalmers

  • Sabedoria Espírita — obra que também aborda bem o tema

  • A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo > A Gênese > Capítulo I — Caráter da revelação espírita

  • O Evangelho segundo o Espiritismo > Introdução > II — Autoridade da doutrina Espírita. Controle universal do ensino dos Espíritos.

    12. Observação final

Um dos temas mais debatidos atualmente na filosofia da ciência é a influência da política nas pesquisas científicas — mas esse assunto será deixado de lado neste texto.










Comentários

  1. https://www.youtube.com/watch?v=dvHRZVDKZiA

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  2. "Enquanto o Espiritismo não era mais que uma opinião filosófica, não podia haver entre os adeptos senão a simpatia natural produzida pela comunhão das ideias, mas nenhum laço sério podia existir, por falta de um programa claramente definido. Tal é, evidentemente, a principal causa da pouca coesão e estabilidade dos grupos e sociedades que se formaram." Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868 > Dezembro > Constituição transitória do Espiritismo

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  3. Algumas vezes que Kardec vez mudanças, depois da segunda edição de O LE, em pontos secundários: Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863 > Dezembro > Um caso de possessão - Senhorita Júlia
    Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865 > Outubro > Novos estudos sobre espelhos mágicos ou psíquicos > O vidente da floresta de Zimmerwald

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  4. https://blogespiritacomkardec.blogspot.com/2018/12/filosofia-espirita.html

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  5. A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo > A Gênese > Capítulo I — Caráter da revelação espírita

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  6. O Evangelho segundo o Espiritismo > Introdução > II — Autoridade da doutrina Espírita Controle universal do ensino dos Espíritos.

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  7. Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864 > Abril > Autoridade da doutrina Espíritos

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  8. https://www.youtube.com/watch?v=xzyyrwCJcQQ

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  9. https://www.youtube.com/live/cu6YxCarzKg?si=SID9EHwjwdzGoTJL

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