Só o que importa é a moral?



Diferença entre ética e moral:
https://blogespiritacomkardec.blogspot.com/2019/05/o-que-e-moral-etica-e-psicologia.html?fbclid=IwAR1NWb9r5POa7A4rWL_fgZp37rHLzaDacCwnh08vrXvfOijwNQ6ord8Cnu4

Quando queremos desmistificar erros doutrinários e apresentar a ciência espírita tal qual ela é nas obras fundamentais de Kardec, sempre surge o seguinte argumento: "o que importa é o melhoramento moral. Não vamos perder nosso tempo falando de questões doutrinárias."

Mas será que esse argumento se sustenta diante do ensino contido nas obras fundamentais? Vejamos o que se diz em O Livro dos Espíritos:


799. De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?

“Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos.”

Vemos que a compreensão correta da ciência espírita leva a destruição do materialismo, através da comprovação experimental da imortalidade da alma. E a destruição do materialismo leva ao desenvolvimento moral, pois como diz Kardec na questão 148, se o materialismo estiver correto "o bem e o mal careceriam de objetivo, o homem teria razão para só pensar em si e para colocar acima de tudo a satisfação de seus apetites materiais; quebrados estariam os laços sociais e as mais santas afeições se romperiam para sempre."

Ora, se a moral fosse a única coisa que importasse e se a real compreensão do espiritismo não ajudasse na questão moral, nem haveria necessidade da doutrina. Já havia antes o espiritualismo. É claro que é possível se melhorar moralmente sem ser espírita, o próprio espiritismo diz: "não há salvação fora da caridade" ao invés de dizer "não há salvação fora do espiritismo." Mas só o espiritismo tem a possibilidade de comprovação necessária para destruir o materialismo e suas funestas consequências. E para que isto ocorra é necessário compreender bem a doutrina.

Na obra O que é o Espiritismo, no segundo diálogo com o cético, pergunta-se a Kardec o seguinte:
"V. — Admitamos que a coisa esteja comprovada, o Espiritismo reconhecido como realidade; qual a sua utilidade prática?"

E Kardec responde:

"Os homens passavam igualmente bem, antes da descoberta dos novos planetas, antes que se soubesse ser a Terra e não o Sol que se move, antes que se conhecesse o mundo microscópico e outras tantas coisas. O camponês, para viver e fazer brotar seu trigo, não precisa saber o que seja um planeta. Para que, pois, se entregam os sábios a esses estudos? Há alguém que ouse dizer que eles perdem o tempo? Tudo que serve para erguer uma ponta do véu que nos envolve, ajuda o desenvolvimento da inteligência, alarga o círculo das idéias, fazendo-nos melhor compreender as leis da Natureza. Ora, o mundo dos Espíritos existe em virtude de uma dessas leis naturais, e o Espiritismo nos faz conhecê-lo; ele nos mostra a influência que o mundo invisível exerce sobre o visível e as relações existentes entre eles, como a Astronomia nos ensina as que ligam os astros à Terra; ele no-lo faz ver como sendo uma das forças que regem o Universo e contribuem para a manutenção da harmonia geral.Supondo que a isso se limitasse a sua utilidade, já não seria de grande importância a revelação de uma tal potência, abstraindo-se mesmo de toda a sua doutrina moral? De nada valerá um mundo inteiro novo que se nos revela, quando o conhecimento dele nos conduz à solução de tão grande número de problemas, até então insolúveis; quando ele nos inicia nos mistérios do além-túmulo, que nos devem interessar de algum modo, visto que todos nós, tarde ou cedo, temos de transpor esse marco fatal? O Espiritismo possui, porém, uma outra utilidade, mais positiva: é a natural influência moral que exerce. Ele é a prova patente da existência da alma, da sua individualidade depois da morte, da sua imortalidade, da sua sorte futura; é, pois, a destruição do materialismo, não pelo raciocínio, mas por fatos. Não convém pedir-lhe senão o que ele pode dar, e nunca o que está fora dos limites do seu fim providencial. Antes dos progressos sérios da Astronomia, acreditava-se na Astrologia. Será razoável dizer-se que a Astronomia para nada serve, porque já não se pode encontrar na influência dos astros o prognóstico do destino? Assim como a Astronomia destronou os astrólogos, o Espiritismo veio destronar os adivinhos, os feiticeiros e os que liam a buena-dicha. Ele é, para a magia, o que é a Astronomia para a Astrologia, a Química para a Alquimia."

O conhecimento da ciência espírita não é indispensável pra salvação mas é de grande auxílio. Vejamos: "15. O Espiritismo, sem dúvida não é indispensável a este resultado; assim, ele não tem a pretensão de ser o único a assegurar a salvação da alma, mas ele a facilita pelos conhecimentos que proporciona, os sentimentos que inspira e as disposições nas quais coloca o Espírito, ao qual faz compreender a necessidade de se aperfeiçoar. Ele dá a cada um, além disso, os meios de facilitar o desprendimento dos outros Espíritos no momento em que eles deixam seu envoltório terrestre, e de abreviar a duração da perturbação pela prece e a evocação. Pela prece sincera, que é uma magnetização espiritual, provoca-se uma desagregação mais rápida do fluido perispiritual; por uma evocação conduzida com sabedoria e prudência, e por palavras de benevolência e de encorajamento, tira-se o Espírito do entorpecimento em que se encontra, e ele é ajudado a se reconhecer mais cedo; se ele é sofredor, é excitado ao arrependimento, único que pode abreviar os sofrimentos." FONTE: O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo > Segunda parte - Exemplos > Capítulo I - A passagem

A argumentação de Kardec é excelente. O exemplo da astronomia é bem ilustrativo. Mesmo que a astronomia não tenha nenhuma implicação prática, mesmo assim deveríamos esquecer a astronomia?
Da mesma forma, mesmo que a real compreensão da obra de Kardec não tivesse uma aplicação prática, deveríamos não tratar disso? Mas o fato é que há uma aplicação prática e o próprio Kardec diz. A real compreensão da obra de Kardec "possui, porém, uma outra utilidade, mais positiva: é a natural influência moral que exerce."

Ora, a real compreensão de Kardec não apenas acaba com o materialismo que nós conhecemos usualmente, como também acaba com um certo materialismo mais sofisticado que tem surgido. É a crença de que há realmente uma vida espiritual, mas que ela é materializada. De que há realmente um perispírito, mas de que a fonte das faculdades intelectuais é o cérebro perispiritual, não mais o espírito. É um materialismo 2.0. Esse tipo de materialismo também tem consequências morais funestas. Vejamos:

"O Espírito, pego de improviso, fica como que atordoado; mas, sentindo que pensa, acredita que ainda está vivo, e essa ilusão dura até que se tenha dado conta de sua situação. Esse estado intermediário entre a vida corpórea e a vida espiritual é um dos mais interessantes a estudar, porque apresenta o singular espetáculo de um Espírito que toma seu corpo fluídico pelo seu corpo material, e que experimenta todas as sensações da vida orgânica. Ele oferece uma variedade infinita de nuances segundo o caráter, os conhecimentos e o grau de adiantamento moral do Espírito."
FONTE: O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo > Segunda parte - Exemplos > Capítulo I - A passagem > 12

Ora, se a pessoa acredita que no mundo espiritual ela vai comer, beber, dormir, etc, isso não torna para ela mais difícil perceber que esse estado é ilusório, caso essa situação aconteça com ela? Além disso, certas obras descredibilizam o Espiritismo para pessoas sérias que tem contato primeiro com elas. Quando por exemplo algum acadêmico, que poderia auxiliar o espiritismo, tem contato com Nosso Lar e lê que lá há aves que comem forma pensamento, perde o interesse no assunto.

Temos que lembrar que para Kardec a filosofia e a moral espírita são consequências da ciência espírita. Vejamos o que ele diz na introdução da obra O que é o Espiritismo:

"O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações."

Aliás, devemos ter cuidado com o seguinte argumento: "esse espírito diz algo moralmente bom, logo ele é um espírito sério." Ora, Kardec vai esclarecer em diversos textos que espíritos inferiores e fascinadores podem se utilizar de palavras boas e coisas certas para melhor impor suas ideias e utopias. Pode se utilizar de termos considerados sagrados e até de nomes como o de Jesus. Vejamos:

"246. Há, Espíritos obsessores sem maldade, que alguma coisa mesmo denotam de bom, mas dominados pelo orgulho do falso saber. Têm suas ideias, seus sistemas sobre as ciências, a economia social, a moral, a religião, a filosofia, e querem fazer que suas opiniões prevaleçam. Para esse efeito, procuram médiuns bastante crédulos para os aceitar de olhos fechados e que eles fascinam, a fim de os impedir de discernirem o verdadeiro do falso. São os mais perigosos, porque os sofismas nada lhes custam e podem tornar cridas as mais ridículas utopias. Como conhecem o prestígio dos grandes nomes, não escapuliram em se adornarem com um daqueles diante dos quais todos se inclinam, e não recuam sequer ante o sacrilégio de se dizerem Jesus, a Virgem Maria, ou um santo venerado. Procuram deslumbrar por meio de uma linguagem empolada, mais pretensiosa do que profunda, eriçada de termos técnicos e recheada das retumbantes palavras –– caridade e moral."
FONTE: Livro dos Médiuns item 246.

Kardec num dos artigos da Revista Espírita de maio de 1863 chamado “Exames das comunicações mediúnicas que nos enviam” diz o seguinte:
“Aplicando estes princípios de ecletismo às comunicações que nos enviaram, diremos que em 3.600, há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo, mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas cem de um mérito inconteste. Considerando-se que essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes, inferimos que a proporção deve ser mais ou menos geral. Por aí pode-se julgar da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se quisermos atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quanto do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo.”

Kardec diz que de 3000 mil comunicações com conteúdo moral irreprochável, apenas 300 merecem ser publicadas. Isso prova que não basta apenas o Espírito falar coisas moralmente certas, que na verdade todo mundo já sabe. A obra não é necessariamente publicável por isso.


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