𝐂𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫𝐢𝐬𝐦𝐨 𝐞 𝐄𝐬𝐩𝐢𝐫𝐢𝐭𝐢𝐬𝐦𝐨:


Nesse artigo quero tentar buscar um estudo comparado entre o espiritismo e o conservadorismo, partindo dos princípios colocados na obra de Russell Kirk, "Os dez princípios do conservadorismo". Lembrando que, como o próprio Kirk diz no começo da obra, o conservadorismo não é uma ideologia rígida. Como diz João Pereira Coutinho na sua obra, As ideias conservadoras: "O conservadorismo não existe. Existem conservadorismos, no plural".

𝐏𝐫𝐢𝐦𝐞𝐢𝐫𝐨, 𝐨 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐚𝐜𝐫𝐞𝐝𝐢𝐭𝐚 𝐧𝐚 𝐞𝐱𝐢𝐬𝐭ê𝐧𝐜𝐢𝐚 𝐝𝐞 𝐮𝐦𝐚 𝐨𝐫𝐝𝐞𝐦 𝐦𝐨𝐫𝐚𝐥 𝐩𝐞𝐫𝐞𝐧𝐞.

Conservadores acreditam numa moral objetiva e perene e portanto recusam o relativismo moral e cultural. A moral cristã é, como diz Kardec na questão 625 de o LE: "a expressão mais pura da lei do Senhor". Os espíritos esclarecem que as leis divinas ou naturais são imutáveis e perenes:

615. É eterna a lei de Deus?

“Eterna e imutável como o próprio Deus.”

616. Será possível que Deus em certa época haja prescrito aos homens o que noutra época lhes proibiu?

“Deus não se engana. Os homens é que são obrigados a modificar suas leis, por serem imperfeitas. As de Deus, essas são perfeitas. A harmonia que reina no universo material, como no universo moral, se funda em leis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade.”

𝐒𝐞𝐠𝐮𝐧𝐝𝐨, 𝐨 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐚𝐝𝐞𝐫𝐞 𝐚𝐨 𝐜𝐨𝐬𝐭𝐮𝐦𝐞, à𝐬 𝐜𝐨𝐧𝐯𝐞𝐧çõ𝐞𝐬 𝐞 à 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐢𝐧𝐮𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞.

De mesma forma Kardec reconhece em o LE a importância dos costumes e convenções na formação dos direitos e das leis de cada país. Vejamos:

875 a) – Que é o que determina esses direitos?

“Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos que podem ter variado, com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, sem serem perfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens estabelecem. Ademais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.”

𝐓𝐞𝐫𝐜𝐞𝐢𝐫𝐨, 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐚𝐜𝐫𝐞𝐝𝐢𝐭𝐚𝐦 𝐧𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐩𝐨𝐝𝐞 𝐬𝐞𝐫 𝐜𝐡𝐚𝐦𝐚𝐝𝐨 𝐩𝐫𝐢𝐧𝐜í𝐩𝐢𝐨 𝐝𝐚 𝐩𝐫𝐞𝐬𝐜𝐫𝐢çã𝐨.

Conservadores acreditam que não é possível, unicamente com o uso da razão particular de cada um, imaginar um novo modelo de sociedade. Como diz Kirk: "É o senso conservador de que as pessoas modernas são anões nos ombros de gigantes, capazes de enxergar mais longe que seus ancestrais apenas devido à grande estatura daqueles que nos precederam no tempo". Devemos nos basear nos valores e direitos que já foram estabelecidos pelo uso imemorial, preservando as instituições sociais como a família e o casamento, que segundo o LE na questão 695 constituem: "um progresso na marcha da Humanidade". Burke e os iluministas escoceses, como o cético David Hume, criticavam o racionalismo exacerbado de certos iluministas francesea. O homem não é somente guiado pela razão mas também pelas paixões e apetites. De modo semelhante Kardec vai em o LE estabelecer a falibilidade e o limite da razão:

75 a) – Por que nem sempre é guia infalível a razão?

“Seria infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio.”

𝐐𝐮𝐚𝐫𝐭𝐨, 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐬ã𝐨 𝐠𝐮𝐢𝐚𝐝𝐨𝐬 𝐩𝐨𝐫 𝐬𝐞𝐮 𝐩𝐫𝐢𝐧𝐜í𝐩𝐢𝐨 𝐝𝐞 𝐩𝐫𝐮𝐝ê𝐧𝐜𝐢𝐚.

As mudanças, quando ocorrem, devem ser feitas com prudência, gradualmente, observando as consequências futuras e não somente suas vantagens temporárias. Como diz Kirk: "Providência move-se lentamente, enquanto o diabo sempre se apressa". O mesmo é dito em o LE, na questão 800:

"A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar. A cada geração uma parte do véu se dissipa".

𝐐𝐮𝐢𝐧𝐭𝐨, 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐩𝐫𝐞𝐬𝐭𝐚𝐦 𝐚𝐭𝐞𝐧çã𝐨 𝐚𝐨 𝐩𝐫𝐢𝐧𝐜í𝐩𝐢𝐨 𝐝𝐚 𝐝𝐢𝐯𝐞𝐫𝐬𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞.

A doutrina estabelece que, pela diversidade de aptidões e caracteres é impossível estabelecer uma igualdade absoluta. Sempre haverá desigualdade em certo nível. Os espíritos em o LE reconhecem isso e criticam o pensamento utópico socialista de igualdade. Vejamos:

811. A igualdade absoluta das riquezas é possível e existiu alguma vez?

— Não, não é possível. A diversidade das faculdades e dos caracteres se opõe a isso.

811 – a) Há homens, entretanto, que creem estar nisso o remédio para os males sociais; que pensais a respeito?

— São sistemáticos ou ambiciosos e invejosos. Não compreendem que a igualdade seria logo rompida pela própria força das coisas. Combatei o egoísmo, pois essa é a vossa chaga social, e não corrais atrás de quimeras".

𝐒𝐞𝐱𝐭𝐨, 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐬ã𝐨 𝐫𝐞𝐟𝐫𝐞𝐚𝐝𝐨𝐬 𝐩𝐨𝐫 𝐬𝐞𝐮 𝐩𝐫𝐢𝐧𝐜í𝐩𝐢𝐨 𝐝𝐞 𝐢𝐦𝐩𝐞𝐫𝐟𝐞𝐜𝐭𝐢𝐛𝐢𝐥𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞.

O Espiritismo entende que nosso globo, sendo um mundo de provas e expiações, é povoado principalmente por espíritos encarnados de terceira ordem. Desse modo, nenhuma ordem social perfeita poderia ser criada em nosso estado atual. Por isso espíritas, assim como conservadores, rejeitam qualquer ideia de uma sociedade perfeita utópica por meios materiais.

𝐒é𝐭𝐢𝐦𝐨, 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐞𝐬𝐭ã𝐨 𝐩𝐞𝐫𝐬𝐮𝐚𝐝𝐢𝐝𝐨𝐬 𝐝𝐞 𝐪𝐮𝐞 𝐩𝐫𝐨𝐩𝐫𝐢𝐞𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐞 𝐥𝐢𝐛𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐞𝐬𝐭ã𝐨 𝐢𝐧𝐭𝐢𝐦𝐚𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐯𝐢𝐧𝐜𝐮𝐥𝐚𝐝𝐚𝐬.

O Espiritismo entende a propriedade privada, legítima, conseguida pelo trabalho, como um direito natural. Como diz Kirk: "sobre o fundamento da propriedade privada grandes civilizações são construídas". Vejamos o que se diz em o LE:

882. O homem tem o direito de defender aquilo que ajuntou pelo trabalho?

— Deus não disse: "Não roubarás"? E Jesus "Dai a César o que é de César"?

Comentário de Kardec: "Aquilo que o homem ajunta por um trabalho honesto é UMA PROPRIEDADE LEGÍTIMA, que ele tem o direito de defender. Porque a propriedade que é fruto do trabalho constitui um DIREITO NATURAL, tão sagrado como o de trabalhar e viver".

𝐎𝐢𝐭𝐚𝐯𝐨, 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐚𝐩𝐨𝐢𝐚𝐦 𝐚 𝐚𝐬𝐬𝐨𝐜𝐢𝐚çã𝐨 𝐯𝐨𝐥𝐮𝐧𝐭á𝐫𝐢𝐚, 𝐭𝐚𝐧𝐭𝐨 𝐪𝐮𝐚𝐧𝐭𝐨 𝐬𝐞 𝐨𝐩õ𝐞𝐦 𝐚𝐨 𝐜𝐨𝐥𝐞𝐭𝐢𝐯𝐢𝐬𝐦𝐨 𝐢𝐧𝐯𝐨𝐥𝐮𝐧𝐭á𝐫𝐢𝐨.

Conservadores são contra associações involuntárias. A caridade deve ser sempre voluntária e nunca compulsória.  É o coletivismo obrigatório, onde o poder é centralizado, que gera os governos despóticos. Por isso o conservadorismo burkeano é essencialmente liberal. Da mesma forma deve agir o espírita na sua vida privada:

828. Como se podem conciliar as opiniões liberais de certos homens com o despotismo que costumam exercer no seu lar e sobre os seus subordinados?

“Eles têm a compreensão da lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho e pelo egoísmo. Quando não representam calculadamente uma comédia, sustentando princípios liberais, compreendem como as coisas devem ser, mas não as fazem assim.”

𝐍𝐨𝐧𝐨, 𝐨 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐜𝐨𝐦𝐩𝐫𝐞𝐞𝐧𝐝𝐞 𝐚 𝐧𝐞𝐜𝐞𝐬𝐬𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐝𝐞 𝐫𝐞𝐬𝐭𝐫𝐢çã𝐨 𝐩𝐫𝐮𝐝𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐬𝐨𝐛𝐫𝐞 𝐨 𝐩𝐨𝐝𝐞𝐫 𝐞 𝐬𝐨𝐛𝐫𝐞 𝐚𝐬 𝐩𝐚𝐢𝐱õ𝐞𝐬 𝐡𝐮𝐦𝐚𝐧𝐚𝐬.

Sendo o homem guiado também pelas paixões, em nosso estado atual de adiantamento, há que se ter uma restrição e um equilíbrio no poder para que não haja nem o despotismo nem a anarquia. De modo semelhante o espiritismo defende esse equilibro e se coloca contra os dois modelos. Vejamos:

878 a) – Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não será isso a anarquia de todos os poderes?

“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos Seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Ademais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma espécie de deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.”

O espírita deve procurar essa restrição sobre suas próprias paixões, buscando reprimi-las, tendo uma vontade firme em mudar. Vejamos em o LE: 

911. Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis que a vontade seja impotente para dominá-las?

“Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em conseqüência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria.”

𝐃é𝐜𝐢𝐦𝐨, 𝐨 𝐩𝐞𝐧𝐬𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐞𝐫𝐯𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐞𝐧𝐭𝐞𝐧𝐝𝐞 𝐪𝐮𝐞 𝐩𝐞𝐫𝐦𝐚𝐧ê𝐧𝐜𝐢𝐚 𝐞 𝐦𝐮𝐝𝐚𝐧ç𝐚 𝐝𝐞𝐯𝐞𝐦 𝐬𝐞𝐫 𝐫𝐞𝐜𝐨𝐧𝐡𝐞𝐜𝐢𝐝𝐚𝐬 𝐞 𝐫𝐞𝐜𝐨𝐧𝐜𝐢𝐥𝐢𝐚𝐝𝐚𝐬 𝐧𝐮𝐦𝐚 𝐬𝐨𝐜𝐢𝐞𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐯𝐢𝐠𝐨𝐫𝐨𝐬𝐚.

Conservadores não são contrários à mudanças. Mas entendem que essas mudanças devem ser feitas de forma gradual e não abrupta. O conservadores se opõem aos revolucionários. Podemos observar isso na discussão entre Edmund Burke e Thomas Paine sobre a legitimidade ou não do modo como se deu a revolução francesa. As novas ideias precisam se amadurecer para pouco a pouco se instaurarem na sociedade. Há que se ter um equilíbrio entre a permanência e a progressão. Em o LE os espíritos esclarecem que o progresso normal é lento e gradual. Vejamos:

783. Segue sempre marcha progressiva e lenta o aperfeiçoamento da Humanidade?

“Há o progresso regular e lento, que resulta da força das coisas. Quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto deveria, Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o transforma.”

Apenas na questão da lei do progresso parece haver uma discordância entre o espiritismo e o conservadorismo. Conservadores, como diz Kirk, tendem a duvidar que o mundo necessariamente se encaminhe para algo melhor. Porém, daí não se segue que tudo que é moderno é bom e tudo que é antigo é ruim. Na questão moral, tanto o espiritismo quanto o conservadorismo entendem que não se pode fazer grandes descobertas.

Obra de Russell Kirk, Dez Princípios do Conservadorismo, completa: http://tradutoresdedireita.org/os-dez-principios-conservadores/

ERIC T. PACHECO

https://www.facebook.com/erictpz

Comentários

Postagens mais visitadas